Filme Beira Mar
Filme Beira Mar retrata a viagem dos jovens gaúchos Martin e Tomaz rumo ao litoral, para resolverem assuntos relativos a uma herança. Diversas informações são escondidas do espectador, como a relação dos garotos com seus pais e um com o outro.
Mas aos poucos, os diretores Filipe Matzembacher e Marcio Reolon explicam o mínimo necessário para que esses personagens se tornem complexos, e sua jornada seja compreensível ao público.
Ao invés de mostrar as ações da dupla, o filme prefere os instantes de silêncio, quando se sentam em uma praça vazia, ficam sozinhos na casa isolada ou presenciam o silêncio numa roda de amigos.
Esta é uma história feita de desconfortos, de tempos truncados: são os momentos aparentemente banais que a dupla de cineastas busca transformar em instantes dignos de interesse.
Em grande parte, a intenção é alcançada. Os diálogos reproduzem falas comuns a esta faixa etária, enquanto as posturas corporais desleixadas dos atores condizem com a direção naturalista.
Os atores Mateus Almada e Mauricio José Barcellos parecem pouco experientes, mas esta expressividade crua se encaixa bem no projeto. Às vezes a fotografia insiste demais em brincadeiras com a profundidade de campo e com imagens através de reflexos, mas de modo geral, o conjunto transmite uma bem-vinda naturalidade.
Do mesmo modo, o sexo é mostrado de maneira bela e respeitosa. Embora a idade dos personagens possa causar confusão – eles parecem pré-adolescentes em seus joguinhos caseiros, mas são adultos na atitude tranquila em relação ao sexo -, os diretores fazem questão de não ocultar a intimidade natural entre Martin e Tomaz.
Determinadas cenas como a revelação da homossexualidade de um dos garotos ganham um clima descomplicado, mesmo que alguns instantes engraçados – o jogo de videogame filmado como possível masturbação – destoem do tom da obra.
Ao buscar os tempos mortos e diálogos banais, Beira-Mar não evita o tom inerte em sua dramaturgia.
Há uma constante sensação de que “nada acontece”, tanto em termos de conflitos narrativos quanto na ausência de tensão inerente às cenas.
Os diálogos tornam-se retóricos, em frases como “Meu pai me batia / Devia ser foda / Pois é”, ou “Foi mal / Não tem problema / Beleza.”
Os poucos temas abordados pelos personagens não se desenvolvem, o que desperta uma sensação de monotonia e linearidade voluntárias, mas excessivas.
Mesmo assim, este drama parte da notável vontade de tratar a adolescência e a sexualidade a partir de uma combinação dosada de leveza e seriedade, de realismo e estetismo. Assim, Beira-Mar se apoia na beleza do cotidiano, na poesia dos dias simples e nublados.
SINOPSE – BEIRA MAR
Martin (Mateus Almada) e Tomaz (Maurício José Barcellos) viajam para o litoral gaúcho. Martin precisa encontrar um documento para o pai na casa de parentes, e Tomaz decide acompanhá-lo.
Os dois acabam abrigando-se em uma casa de vidro à beira-mar, a fim de fugir da rejeição familiar de Martin e da estranha distância que surgiu entre os dois.
- Lançamento: 5 de novembro de 2015 / 1h 24min / Drama
- Direção: Filipe Matzembacher, Marcio Reolon
- Roteiro: Filipe Matzembacher, Marcio Reolon
- Elenco: Mateus Almada, Maurício José Barcellos, Elisa Brites
CRÍTICA – BEIRA MAR
A introspecção é uma das principais características das produções realizadas no sul do país. Talvez possa-se explicar a peculiaridade ao colocá-la na conta da origem da população, majoritariamente composta por imigrantes europeus, ou no peso da influência de uma moral religiosa.
O certo é que o traço não é exclusivo e pode ser encontrado também nos vizinhos Argentina e Uruguai.
Filme Beira Mar, longa de estreia de Filipe Matzembacher e Marcio Reolon, é mais um filme rodado no Rio Grande do Sul e que traz consigo o olhar interno, dialogando na mesma plataforma estética de Os Famosos e os Duendes da Morte (2009), do paulista Esmir Filho, mas inspirado no texto do gaúcho Ismael Caneppele, A Última Estrada da Praia (2010), de Fabiano de Souza, Whisky (2004), de Pablo Stoll, e Antes que o Mundo Acabe (2009), de Ana Luiza Azevedo.
Martin (Matheus Almada) e Tomaz (Maurício Barcellos) se conhecem de longa data.
Mais antiga do que a amizade dos jovens apenas a relação conturbada de Martin com o pai, um personagem tão abjeto que a câmera faz questão de focá-lo de costas para, dali em diante, ignorá-lo por completo.
Os poucos segundos em tela não diminuem a força paterna, que será o motor principal do enredo, ao incumbir o garoto de resolver uma questão de herança no litoral. Antevendo a situação com que se depararia, Martin convoca Tomaz.
Filme Beira Mar
A estrada é a metáfora inicial – e tradicional – para adentrarmos ao caminho interno do personagens.
Ainda que por um curto período de tempo, a distância da família tem um grande significado, e simula a autonomia desejada pelos amigos.
Através de decisões banais, como entrar em uma casa noturna ou fumar na praça sem precisar se esconder, que a individualidade é exercida.
O mundo adulto estende a mão e a vida parece mais interessante e complexa do que imaginado.
Para a aventura de Martin e Tomaz, a direção de Matzembecher e Reolon transmite o drama existencial dos jovens ao criar uma atmosfera sensorial, apostando completamente na subjetividade e nas câmeras psicológicas.
O resultado é um trabalho delicado, próximo ao artesanal. A trilha sonora de Felipe Puperi e o bom desenho de som de Tiago Bello são peças essenciais nessa construção.
A montagem de Bruno Carboni e Germano de Oliveira tem de lidar com uma gramática visual delicada, uma vez que o ritmo alongado e contemplativo é um recurso que simula com eficiência os momentos de angústia por que passam os personagens.
Filme Beira Mar
Por outro lado, a câmera de João de Queiroz consegue um resultado plástico interessante, mas por vezes compromete a coesão do olhar com sequências como a do videogame e a da felação.
A mesma dissimetria surge ao optar por focar e desfocar a imagem, por vezes conseguindo um resultado perfeito, plástico e funcional, e em outras parecendo uma escolha mecânica, justificada mais pela intuição do que pela técnica ou necessidade.
As atuações de Matheus e Maurício são o grande trunfo da direção, que encontraram em duas estreias no cinema um encaixe natural e fluido. Bem diferente, porém, do elenco secundário.
Dotado de uma sensibilidade construída quadro a quadro, Beira-Mar envolve o espectador por um talento da despretensão.
A simplicidade transforma-se em profundidade quando percebemos não haver ali qualquer artificialismo ou plano de convencimento. O que vemos na tela é natural, por isso tão cru – por isso tão denso.